Entre as passas de um cigarro

Wednesday, October 14, 2009

"A GRIPE E OS HOMENS ... (Reflexão 19)

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisanas e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer."*


*António Lobo Antunes


Persona: Realmente os homens têm muito pouca resistência a dor. E se o médico o diz quem sou eu para contrariar. Pena ainda haver muitas Lurdes.

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3 Comments:

  • At 12:56 PM, Blogger Márcia Maia said…

    E como têm! Mas quase sempre têm tb uma Lurdes para acodi-los. ;) Pena mesmo.

    Beijazul.

     
  • At 12:57 PM, Blogger Mary Lamb said…

    Ainda bem que sou mulher!

     
  • At 9:39 AM, Blogger Jane Darckê said…

    Comigo não tem essa não! Nem dou muita bola. Dou assistencia, tomo alguns cuidados, mas essa de dar orelha longa a moribundo por causa de uma gripe? nem pensar! Daqui a pouco ele já está pimpão, e eu, acabada...

     

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